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"Close-Up", a obra máxima do cinema iraniano

| quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Segue a minha resposta à pergunta "Qual o melhor filme que você viu que ninguém viu?" feita pela revista MOVIE.
















O melhor filme que eu vi e que provavelmente ninguém ouviu falar não é um, são vários. Mas o que mais me vem à mente seria Close-Up, de Abbas Kiarostami. Para este, não faltam razões do porque mencioná-lo aqui, já que não só é uma obra prima do diretor iraniano, como também um dos filmes mais importantes da década de 1990.

A história se atém, em um primeiro momento, a um simples argumento. Um jovem rapaz se faz passar pelo diretor Mohsen Makhmalbaf, (este, que ao lado de Kiarostami, está entre os grandes cineastas do Irã e do mundo) enganando toda uma família ao recebê-lo e acolhê-lo em sua casa como tal. Passado algum tempo, a farsa é exposta, e ele acaba sendo preso e julgado por suas ações em um tribunal. Seria mais um filme qualquer, não fosse baseado em fatos reais e reencenado por todos aqueles que estiveram envolvidos.

Hossein Sabzian é um cinéfilo entusiasta da obra de Makhmalbaf, e enquanto percorre o trajeto do ônibus, lê uma obra do próprio cineasta, intitulada O Ciclista – esta que foi adaptada para o cinema e deslanchou a carreira de Mohsen para o mundo. É quando chama a atenção de um senhor sentado a seu lado, Mahrokh Ahankhah, e durante a conversa, Sabzian clama ser aquele que detêm a autoria da obra. Por educação, Ahankhah convida-o para o seu lar, e enquanto Hossein discorre sobre a filmografia de Makhmalbaf, acaba deixando-se levar pelo personagem e resolve ficar um tempo na casa de seu mais novo amigo, alegando que ele e sua família iriam aparecer em sua nova película.

Trabalhador de um subemprego e divorciado da mulher, Sabzian crê que o único modo da sociedade respeitá-lo é passando-se pelo então diretor. Quando a máscara cai, a família logo dá queixa na polícia, alegando que o rapaz estava na verdade planejando o inventário de um suposto roubo na casa deles. É então que a notícia corre os jornais, e Abbas Kiarostami ao lê-la sente-se tão angustiado com toda a história que decide visitar o impostor na prisão para registrar sua versão sobre os fatos frente a uma câmera. Kiarostami consegue permissão para gravar o julgamento do rapaz, e extrai um impressionante panorama de toda a situação.

Através das reencenações do acusado e vítimas, Abbas intercala entrevistas com membros da família entre circunstâncias corriqueiras que permearam o ocorrido. Conversas na sala de estar, refeições em família, são todas reencenadas (ou apenas “encenadas”? já que a primeira vez não contou).

Só fui perceber que a barreira entre ficção e documentário estava sendo quebrada quando, nas cenas finais, Sabzian encontra-se com o verdadeiro Mohsen, e enquanto conversam, o diretor avisa pela câmera distante e fora de enquadramento que “ele não ficou no lugar combinado, não poderemos refilmar esta cena”. É a realidade transbordando entre o que foi reencenado até então. O ápice está propriamente na última cena, quando o dono da casa recebe em sua porta Abbas, acompanhado de Hossein Sabzian, que traz algumas flores nas mãos. Kiarostami avisa que “ele está arrependido, nunca mais irá fazer isso”, e ao entregar-lhe o arranjo, a cena se congela e os créditos sobem, junto com a sensação de poesia mais pura que já presenciei em uma sala escura de projeção.

Foi então que passei a questionar o que era ficção e o que era documentário? O quanto daquilo foi realmente interpretado pelo próprio Sabzian, para tentar inocentar seu próprio álibi durante o julgamento? Afinal, ele conseguiu “fazer” seu filme, a família anônima acabou contracenando como prometido, e ainda encontrou seu ídolo Makhmalbaf em carne e osso. Seria o sonho que virou realidade para qualquer cinéfilo, não fossem as complicações envolvidas.

Questões como essas surgiram recentemente no cinema nacional com em Jogo de Cena, em que Eduardo Coutinho explorava as mesmas barreiras de ficção e realidade, com atrizes interpretando histórias e pessoas comuns contando suas próprias. Mas como a fórmula foi descoberta, o resultado foi menos eficiente – apenas celebrava a própria estética, não apontava novos caminhos. Em Serras da Desordem o diretor marginal Andrea Tonacci fazia o índio protagonista reencenar cenas de sua própria vida. Outro exemplo ainda mais recente é o tcheco René, em que Helena Trestikova grava 20 anos de um adolescente problemático, que vivia entrando e saindo de prisões, e obtêm um resultado final surpreendente – também não se sabe quanto o próprio protagonista interpretava ou era ele mesmo.

Como O Bandido Da Luz Vermelha que o mestre Rogério Sganzerla fez, Kiarostami juntou o intelectual ao popular no mesmo filme. Todos estes são influenciados direta ou indiretamente por Close-Up, que ao abolir as barreiras entre ficção e documentário, fez uma das obras mais importantes de todo o mediterrâneo.